Descrição
Prefácio
«Deus… é como o tempo:
não é nada mas cabe tudo lá dentro.»
Conceição T. Sousa
São três horas de uma tarde chuvosa e triste de outono na esplanada do café Guarany, no coração do Porto. Há uns dias esta praça estava completamente cheia de gente. A Conceição também esteve aqui, a dizer com as outras pessoas que «é preciso que nos devolvam as nossas vidas».
Esta mulher forte — descobre-se isso à primeira impressão — cora, receosa, quando fala dos seus poemas. É completamente segura de si, mas estes Poemas do tamanho de nós são a sua primeira exposição pública e isto de escrever, de alguma forma, desnuda-nos.
Eu, a jornalista que faz as perguntas e que já leu vários dos seus poemas, quero saber mais dela, quero saber quem é a Conceição. Técnica Oficial de Contas, poeta, viajante no mundo, curiosa, é uma mulher do seu tempo que adora poesia mas está atenta a tudo que a rodeia, o tempo em que vive e sonha.
O tempo era o meu ponto de partida. Impressionaram-me as suas palavras, «saudade do tempo em que eu tinha tempo, saudade do tempo em que me deixavam ter tempo».
E, por entre a nossa conversa sem guião prévio, confessa: «este -livro» — o seu primeiro grande atrevimento como autora — «este livro é um filho. E não é de pai incógnito nem de mãe solteira».
Escreveu sempre. Desde pequena que anda com cadernos, a escrevinhar «coisas». «Coisas» que os seus olhos descobriam, e que os outros nem adivinharam. Há dez anos atrás, irritou-se e queimou uma data de papéis com essas «coisas» escritas por si. O tempo passou mas o mesmo não aconteceu com o seu gosto pela escrita e, em 2011, este seu livro começou a ganhar forma.
«Não consigo comer, beber ou dormir enquanto estou no processo de escrita; se pudesse parava tudo e só fazia isto, mas não posso. Ainda.»
Durante a nossa conversa, falámos várias vezes da situação em que se encontra o país.
«A praça estava cheia de gente e nem se via um vendedor, como nas festas do futebol. Tudo foi diferente, espontâneo e lindo», afirma.
Como Técnica Oficial de Contas não gosta do nosso sistema fiscal, que conhece e redescobre diariamente por dentro e por fora. Acha-o -injusto e permissivo, e motivo da crescente corrupção por parte de empresas e pessoas.
Depois, à sua volta, existem livros, muitos livros, que a Conceição e o marido, arqueólogo de formação mas parceiro na sua empresa de «contas» levam de casa para casa, e o espaço que ocupam é a primeira preocupação do casal quando faz mudanças.
A autora do livro de poemas que vai ler de um só fôlego — quase que posso garanti-lo — é, então, uma viajante do tempo e do espaço.
Já correu mundo e a sua última viagem foi à Índia, que a fascinou. Não só a considerou especial como não está fora dos seus planos mudar-se para o país, pela sua imensa espiritualidade e, até mesmo, pelo desencanto que se lhe adivinha relativamente ao que se passa em Portugal.
De todos os continentes que conhece, a Ásia agrada-lhe particularmente. Há Long é um pequeno e imperdível texto.
Conceição T. Sousa nasceu num ambiente quase rural, mas afirma: «a minha nação é o mundo (…) eu não nasci no meio de livros, mas com doze, treze anos, andava com um semanário debaixo do braço, que era o que então podia ter.»
Hoje tem muito mais. As suas palavras, os seus poemas, os seus -livros, as suas viagens, um olhar aguçado sobre a realidade — «a corrupção é o rosto da crise» — mas, também, a sensibilidade de quem escreve «um dia vou passar os meus olhos nos teus e o tempo vai parar eternamente».
Gostei muito da minha conversa com a Conceição e destes Poemas do tamanho de nós.
Fátima Torres, Jornalista