Descrição
Prefácio
A comoção torna difícil prefaciar este livro‑homenagem, tão sensível e generoso como autêntico, humano e altruísta. Evoco, por isso, a poesia minha companheira de certezas e dúvidas, alegrias e angústias, perdas e compensações, criação e inventiva, obstáculos da fala ou compulsão para a deriva da palavra, prazer e dor, tristeza de não conseguir dizer o que se sente ou sentimento de plenitude no silêncio que diz o que falta em qualquer escrita cristalina e lúcida. Mais do que o pensamento é a sensação que aqui me guia. Lembro então a voz poética de Alberto Caeiro, personagem ficcional de Fernando Pessoa, o seu interesse pela natureza, nossa mãe eternamente presente, os seus versos livres, a sua linguagem simples e familiar. E partilho com os leitores o excerto deste seu poema em que podemos considerar que o presente livro se encerra:
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
(…)
Por fim, importa que se diga que o impulso inicial e decisivo deste prefácio, que me sensibiliza e honra, vem antes de mais de quem mo pede, a autora, a minha muito especial amiga Helena Barros, assim como da pérola genuína que é este belíssimo livro, incentivo generoso a Voar mais alto, título em forma de abertura feliz que ora emociona ora consola seres em perda cuja crença na vida nunca abandonou. Livro e autora mergulham raízes numa motivação profunda, individual e colectiva que fortemente nos atrai, encanta, entristece e anima. Nascem, palpitam, vivem e perduram como a natureza poética de Alberto Caeiro.
Maria Otília Lage